A exposição Laços, de Alexandra Ungern, apresenta-nos uma importante coleção de obras surgidas da atenção que a artista devota à matéria. Sobre a matéria e sobre a ação que o tempo exerce sobre ela. O tempo imiscui-se na trama poética que a artista inventa e que dá forma ao resultado dessa pesquisa ou inquietação. Nesta mostra, objeto, fotografia, vídeo, gravura e pintura traçam um panorama amplo sobre o universo poético da artista, centrado na matéria, em sua permanência ou efemeridade, em sua infinita mutabilidade; decorre daí, também, uma reflexão sobre a memória. Memória de seres e coisas interseccionadas em trajetórias de vida. Essas especulações da qual resultam obras de características muito diversas logram instaurar um aparato plástico-poético que não pode prescindir dessa profusão polimórfica de coisas para também depor sobre as possibilidades de construções narrativas múltiplas.
A experiência sugere que a partir das obras uma espécie de genealogia da artista e da matéria está sendo elaborada. Genealogia que remete a origens remotas, ancestrais, mas que também nos informa de estados da arte na contemporaneidade. Os trabalhos realizados em diversos suportes e em períodos distintos estabelecem entre si uma relação epidérmica, já que, apesar das variadas soluções formais buscadas e alcançadas, o conceito que as sustenta permanece o mesmo, qual seja – o demiurgo poder que o tempo exerce sobre a matéria e as manipulações que a artista logra executar no âmbito desse fenômeno. Não se trata de produzir registros que cristalizem nem fossilizem um momento qualquer da maturação da matéria de coisas ou de seres, mas de observar como esse processo, que poderia constituir em incontornável ode à morte ou à finitude, resulta, isso sim, em discurso amoroso (mas ácido) sobre transformação e permanência de tudo.
Porque a experiência precede a essência, a própria feitura do trabalho ou a prospecção dos objetos no mundo que ele exige vão dando a eles seu sentido maior, o desdobramento que esse trabalho exige fala, direta ou metaforicamente, do moto perpétuo furioso que anima a vida e que se apresenta nestas obras de densidade e peso similares à complexidade dos temas que o condão poético da artista toca.
Claudinei Roberto da Silva, curador