Na sombra de uma origem

A obra de Alexandra Ungern-Sternberg explora o campo fotográfico na construção de um mundo constantemente se desfazendo. Neste trabalho a artista se utiliza de um jogo de sombras para criar a ilusão de uma imagem, quase como uma auto-referência ao próprio suporte fotográfico. Nas bordas dos tons enegrecidos formam-se linhas, fronteiras entre a paisagem que é a parede e as sombras que seriam figuras.


Exposição MIS-SC – 2014
Individual “Na Sombra de uma Origem”
Texto de Paulo Gallina

O desconhecido gera um desconforto no ser humano, afinal racionalizar é uma forma de domínio sobre o que está posto diante do homem. Antes da racionalização matemática sobre o mundo, do modelo de ciência aplicado na atualidade, o homem utilizava-se da retórica para apropriar-se de um ambiente hostil e indômito em seu entorno. Talvez a primeira forma de trazer luz ao desconhecido foi a criação mitológica. Ao trabalhar retoricamente um evento que extrapola o fator humano, o homem criou certo conforto psicológico para seguir sua atuação cotidiana buscando sua subsistência.

O processo civilizatório no ocidente está associado ao escrutino do mundo até sua partícula fundamental. Em outras palavras, disseca-se o que está posto no mundo para melhor compreender os organismos em seus processos interiores e exteriores. Este método, comprovadamente eficaz, entretanto não deixa espaço para divagações maiores sobre os temas. Quando líderes tribais procuram explicar o mundo pela alegoria mitológica, sistematizam também a atuação do homem. Com seu movimento narrativo, autores discorrem sobre questões sociais e morais a partir de manifestações da natureza. 

A exposição Na sombra de uma origem da artista plástica Alexandra Ungern-Sternberg faz o movimento inverso proposto pelo modelo cientifico contemporâneo. Com suas fotografias a artista propõe um retorno à integridade entre os eventos naturais e as interpretações que somos capazes de promover sobre eles. 

Ao transferir o mito da língua falada para uma linguagem formal puramente visual, Alexandra reitera o quão evanescentes são as formas e sua eterna transformação dentro de uma narrativa. Este procedimento sutil invoca o pensamento de que estas imagens estão mais presentes nos olhos de quem vê do que nas sombras que procuram recontar o mito. Talvez por isso a fotografia Kanansiuê (2008) está ampliada, reiterando com suas dimensões a composição abstrata desta imagem que de alguma maneira (por que não?) mágica consegue ganhar a forma da natureza.

Paulo Gallina
Critico convidado